SALA DE AULA INVERTIDA

A Sala de Aula Invertida (SAI) é uma metodologia ativa de ensino e aprendizagem, no âmbito do b-learning, cuja abordagem metodológica visa organizar a implementação das atividades letivas do processo de ensino e aprendizagem presencial e online.

O processo de desenvolvimento da metodologia da SAI começou a ser concebido de forma gradual na década de 1990, através da implementação empírica e descentralizada de diversas técnicas educativas (Moran & Milsom, 2015).

Entretanto, naquela altura a SAI ainda não estava constituída propriamente como uma metodologia, mas como um conjunto de técnicas para se “inverter a aulas”.

A atual denominação da metodologia em SAI (Flipped Classroom na língua inglesa) é originalmente muito atribuída aos professores americanos Bergmann & Sams (2012), considerados autores de referência e impulsionadores da metodologia da SAI, que posteriormente se popularizou no meio académico, sendo objeto contínuo de estudo e investigação científica.

A SAI consiste em organizar as aulas em dois momentos distintos, um inicial no qual o estudante realiza o estudo individual, em regime de e-learning, dos conteúdos da matéria disponibilizados pelo professor, através dos recursos disponibilizados em ambientes virtuais de aprendizagem (AVA) e depois consolidar os conhecimentos obtidos em aula presencial, através da realização de atividades em grupo (Torres-Martín et al., 2022).

Na tabela seguinte é possível verificar como se realiza a dinâmica temporal das aulas no contexto de uma sala de aula tradicional versus uma SAI. Entretanto, podemos observar que na SAI a aula está maioritariamente concentrada em atividades práticas e/ou laboratoriais, nas quais se visa solidificar e complementar os conhecimentos do estudante que previamente esteve a realizar o estudo autodirigido.

Tabela: Aula tradicional versus sala de aula invertida

Sala de aula tradicional

Sala de aula invertida (flipped classroom)

Atividade

Tempo

Atividade

Tempo

Preparação da atividade

5 minutosPreparação da atividade5 minutos
Revisão por cima do trabalho de casa anterior20 minutosPerguntas e respostas sobre o conteúdo digital estudado anteriormente

10 minutos

Apresentação de novo conteúdo (matéria)

30-45 minutosPrática dirigida, independente e/ou laboratorial75 minutos
Prática dirigida, independente e/ou laboratorial20-35 minutos 

 

Fonte: Bergmann & Sams (2012, p. 15)

A SAI enquanto metodologia de ensino visa eliminar a aprendizagem passiva, tendencialmente ocasionada por aulas expositivas, nas quais o professor é o centro da transmissão do conhecimento através da exposição oral e os estudantes a audiência ouvinte (Lopes et al., 2021). Entretanto, na SAI o professor passa a realizar a função de um guia experimentado que submete os estudantes a realização de atividades práticas em grupo, que promovam uma forte interatividade entre os estudantes e o próprio professor, numa abordagem colaborativa e de aprendizagem ativa, conforme ilustrado na figura, promovendo um ambiente de aprendizagem colaborativa.

Fonte: Hastings (2019)

 

Implementação prática da Sala de Aula Invertida (Método MaCAIES)

Segundo Lopes et al. (2020) o método da Matriz de Ciclo de Aula Invertida no Ensino Superior (MaCAIES), tem por objetivo sistematizar a implementação da metodologia da SAI, através da disponibilização de procedimentos que incrementam o nível de eficiência, mitigando possíveis limitações e desafios na implementação da SAI. A estrutura da MaCAIES tem por base de inspiração o modelo do Ciclo PDCA (ou Ciclo de Deming), muito utilizado em gestão de processos empresariais, composto por fases que interagem entre si de forma cíclica e contínua (Morgan & Stewart, 2017). Na figura 9 apresentamos a síntese do Método MaCAIES.

Figura: Método MaCAIES

Fonte: Lopes et al. (2020, p. 7)

Implementação prática da Sala de Aula Invertida (Método MaCAIES – Fase 1)

 

Etapas da fase 1 do método MaCAIES (Preparação):        

Guião do docente: Deve ser planeado antes do início da Unidade Curricular (UC), enumerando e definindo os procedimentos andragógicos necessários, sem ser exaustivo. O objetivo é que o guião seja objetivo e prático, evitando seguir por abstrações mentais. O guião deve contemplar o planeamento da ação do docente para as componentes e-learning e presencial das aulas, como por exemplo se faz nos chamados “planos de sessão”, tentando prever as ações educativas que serão necessárias durante a UC e suas decorrentes necessidades em termos de recursos.

Guião do discente:  O guião deve ser disponibilizado ao discente no AVA, com no mínimo uma semana de antecedência da componente presencial da aula (fase 2) e essencialmente deve contemplar as orientações relativas aos seguintes procedimentos: 1- O que estudar e como deve ser estudado pelo discente, na componente e-learning da aula, os conteúdos disponibilizados em AVA (material de leitura, vídeo, atividades, etc.); 2 – O que deve ser preparado ou providenciado pelo discente, para a componente presencial da aula, e ser for o caso e a altura, adicionar a etapa 3 – O docente deve fornecer conteúdo complementar e propor ao discente que realize estudos e atividades complementares e de aprofundamento, referente ao conteúdo da aula presencial anterior.

Recursos hipermédia:  Os recursos digitais fundamentais e obrigatórios na metodologia da sala de aula invertida são: 1- o vídeo, 2 – conteúdo digital teórico da matéria e 3 – meio de comunicação e transmissão dos conteúdos por rede, que geralmente é intermediado através de um AVA. No entanto, a metodologia não impõe a utilização de um AVA ou qualquer outro sistema para além do já referidos, ou seja, se os conteúdos digitais da matéria forem enviados aos discentes, por exemplo, via e-mail, já está cumprido um dos pré-requisitos da sala de aula invertida. No caso de o docente/discente possuir o acesso a um AVA, além do conhecimento e acesso a outros recursos digitais, sistemas educativos e softwares, poderá complementar com os recursos digitais obrigatórios. No caso do AVA, um recurso comum que pode ser utilizado é a implementação de hiperlinks para outros sistemas educacionais online, que permitam juntamente com os conteúdos digitais da matéria, possibilitar mais opções/meios de aprendizagem ao discente. Cabe o desafio ao docente, face ao grupo de discentes, encontrar um equilíbrio na implementação dos recursos digitais, de modo que estes sejam um facilitador e não um complicador que incremente em complexidade na aprendizagem dos discentes.

Ambiente virtual de aprendizagem (AVA): Os AVA são muito comuns no Ensino Superior, existindo uma grande diversidade de sistemas open source (gratuitos), proprietários e autorais. Para a metodologia da sala de aula invertida, o AVA é considerado apenas um meio para um fim, ou seja, estabelecer o vínculo de comunicação entre o docente e o discente em ambiente online, no que se refere à aprendizagem e-learning. Como já referimos, em contexto de sala de aula invertida, fundamentalmente o AVA servirá para transmitir ao discente, os conteúdos teóricos da matéria e o vídeo que se complementam, entre outros recursos digitais em torno dos assuntos da matéria, que o docente solicite o estudo ao discente. Pouco importa para a metodologia um elevado nível de sofisticação nos recursos do AVA, haja vista que o recurso mais elementar de transmissão de ficheiros é suficiente para se cumprir com o pretendido em aula invertida.

 

Implementação prática da Sala de Aula Invertida (Método MaCAIES – Fase 2)

Etapas da fase 2 do método MaCAIES (Pré-aula e-learning):   

Vídeo: Recurso obrigatório na implementação da metodologia da sala de aula invertida, deve possuir entre 10 e 15 minutos de duração, tempo considerado suficiente para a apresentação dos principais conceitos e definições acerca do tema que deve ser estudado pelo discente, conjuntamente com o material textual introdutório. O vídeo deve ser objetivo, sendo preferencialmente, pautado e organizado por sumário e gravado pelo próprio docente. No caso da utilização de diapositivos (slides) no vídeo é uma estratégia interessante, que além da voz, o rosto do docente apareça de forma intermitente no vídeo e/ou permaneça continuamente numa parte do ecrã, mesmo que de forma reduzida, pois essa ação minimiza a impessoalidade do recurso, tendendo a transmitir ao discente a sensação de presença e “acompanhamento” do docente.

 Estudo introdutório: O estudo introdutório faz referência ao conteúdo textual disponibilizado em formato digital, que deve ser estudado pelo discente e que complementarmente ao vídeo, compõe uma parte do conteúdo da UC, não devendo ser exaustivo e nem se desviar do centro temático da aula em questão. Deve ser dimensionado adequadamente e nos limites de uma parte da matéria, de modo autodeterminado pelo docente, focado numa temática específica e delimitada da UC, permitindo que o discente reflita sobre o tema estudado e realize as atividades propostas de forma autodirigida, porém sem avançar para outras temáticas, que serão objeto de estudo durante as repetições de ciclo do método MaCAIES, durante a realização da UC. Os aspetos andragógicos relacionados com o estudo autodirigido e autodeterminando são fundamentais ao método, principalmente na aula em contexto de e-learning, na qual o discente estabelece uma relação assíncrona com o docente.

Atividades interativas em AVA: Os AVA em geral costumam disponibilizar uma série de possibilidades de interação através do seu sistema. As atividades disponibilizadas em AVA podem ser elaboradas em listas de exercícios, quizzes, testes simulados com diversas modalidades acerca da estruturação das questões. O docente através do uso da criatividade, que é o ponto de inflexão principal em AVA, pode elaborar diversas atividades e potencializar o nível de interatividade seja pela utilização dos recursos do AVA, como pelo teor das atividades que podem variar em formalidade e complexidade. Existem diversos sistemas (ferramentas open source) externos que podem ser aproveitados pelos docentes através da implementação de hiperlinks no AVA.

Estudos de caso (menor complexidade): Os estudos de caso são atividades que exigem o exercício da abstração mental, análise e reflexão do discente. Dentro do contexto de parte da matéria estudada em e-learning, o docente deve propor atividades baseadas em situações/experiências reais que exijam do discente a resolução de problemas, sugestão de melhorias ou soluções em torno de uma questão central que é descrita em forma de texto e pode ou não ser acompanhado de questionamentos. No caso da pré-aula e-learning, na qual o discente está numa fase inicial de contato com os temas da matéria, o docente deverá propor estudos de caso de menor complexidade, de modo a permitir que o discente tenha capacidade de resolvê-los de acordo com o nível em que se encontram.

 

Implementação prática da Sala de Aula Invertida (Método MaCAIES – Fase 3)

Etapas da fase 3 do método MaCAIES (Aula presencial):         

Grupos de discentes: Os grupos, em geral, devem ser preferencialmente compostos por 4 ou 5 discentes, admitindo-se uma variação no número discentes em função de atividades específicas que assim o exijam. O objetivo é essencialmente criar a interação entre os discentes na resolução das atividades em torno do debate construtivo, estimulado pelas diferenças intrínsecas de cada discente. Deve-se evitar grupos com muitos discentes (> 5), pois pode haver uma tendência de alguns discentes adotarem uma postura de passividade e baixa interação com os colegas, observando-se discentes que interagem versus discentes que assistem/ouvem à interação. Mas se for necessário compor grupos maiores, cabe ao docente intervir nos grupos quando observado um maior grau de passividade em algum discente, incentivando os mais introspetivos a participarem das atividades do grupo.

Atividades em grupo: As atividades são de livre escolha do docente e ajustadas às características de cada área do conhecimento e UC, cabendo ao docente escolher as atividades e dinâmicas de grupo que julga ser mais adequado ao que se pretende alcançar com os discentes em termos de aprendizagem e conhecimento, privilegiando atividades que sejam ativas e favoreçam uma interação dinâmica com o docente e entre os discentes.

Estudos de caso (maior complexidade): Os estudos de caso em aula presencial obedecem aos mesmos princípios apresentados na fase 2 do MaCAIES. No entanto, em aula presencial o docente deve aplicar estudos de casos mais complexos e que exijam do grupo de discentes maior capacidade análise, reflexão e abstração mental, de modo a proporcionar o estímulo ao debate entre os discentes do grupo. Uma sugestão como exemplo é propor aos discentes que tentem apresentar soluções em estudos de caso reais e já solucionados (exemplos empresariais), informando aos discentes sobre isso e num segundo momento comparar às soluções apresentadas pelos grupos, com aquela já realizada em contexto prático real.

 

Implementação prática da Sala de Aula Invertida (Método MaCAIES – Fase 4)

Etapas da fase 4 do método MaCAIES (Pós-aula e-learning):   

Estudo complementar: O material complementar deve elaborado, de modo a proporcionar ao discente um conteúdo que aprofunde os pontos da matéria que o docente julgue mais relevante e conter conteúdo alternativo e de mesmo nível da fase 2 da pré-aula e-learning, que apresente outras abordagens explicativas nos pontos da matéria que os discentes demonstraram maiores dificuldades. No que se refere ao conteúdo complementar de uma forma geral, este pode ser composto de artigos científicos, manuais técnicos (se for o caso), e-books e outros vídeos, que neste momento podem ter uma estruturação mais variada, como: entrevistas gravadas com especialistas no tema da aula (académicos e do ambiente empresarial), documentários, palestras gravadas, reportagens, entre outros de interesse académico. O objetivo do estudo complementar é incutir no discente a perceção que o estudado em sala de aula (e-learning e presencial) não é estanque e não se limita ao ambiente académico.

Atividades de aprofundamento: Nesta etapa deve-se propor ao discente mais atividades (de reforço) em AVA, similarmente ao proposto na fase 2, mas principalmente, solicitar a realização de trabalhos mais elaborados, que a depender da complexidade, podem ser divididos no contexto das sucessivas repetições no método MaCAIES durante a realização da UC, ou mesmo transcender em projetos interdisciplinares e de avaliação formativa/sumativa do curso em andamento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bergmann, J., & Sams, A. (2012). Flip Your Classroom: Reach Every Student in Every Class Every Day. International Society for Technology in Education.

Hastings, M. (2019, fevereiro 14). Why Charging Solutions are Integral to the Flipped Classroom. https://www.sophia.org/flipped-classroom-survey

Lopes, S. F. S. F., Gouveia, L. B., & Reis, P. (2021). Analysis of Efficiency and Effectiveness in the Implementation of the Flipped Classroom in the Context of Higher Education: Experimental Results. Handbook of Research on Determining the Reliability of Online Assessment and Distance Learning, 244–261. https://doi.org/10.4018/978-1-7998-4769-4.ch010

Lopes, S. F. S. F., Gouveia, L. M. B., & Reis, P. A. da C. (2020). O método MaCAIES: Uma proposta metodológica para a implementação da sala de aula invertida no Ensino Superior. Research, Society and Development, 9(1), Artigo 1. https://doi.org/10.33448/rsd-v9i1.1921

Moran, K., & Milsom, A. (2015). The Flipped Classroom in Counselor Education. Counselor Education and Supervision, 54(1), 32–43. https://doi.org/10.1002/j.1556-6978.2015.00068.x

Morgan, S. D., & Stewart, A. C. (2017). Continuous Improvement of Team Assignments: Using a Web-based Tool and the Plan-Do-Check-Act Cycle in Design and Redesign. Decision Sciences Journal of Innovative Education, 15(3), 303–324. https://doi.org/10.1111/dsji.12132

Torres-Martín, C., Acal, C., El-Homrani, M., & Mingorance-Estrada, Á. C. (2022). Implementation of the Flipped Classroom and Its Longitudinal Impact on Improving Academic Performance. Educational Technology Research and Development, 70(3), 909–929. https://doi.org/10.1007/s11423-022-10095-y

Este guia visa ser um elemento facilitador aos docentes no processo de implementação das metodologias ativas de ensino e aprendizagem, sem a pretensão de abranger profundamente a temática teórica das metodologias, direcionado para o sentido prático do “saber fazer” como uma ferramenta útil que indique de forma clara e objetiva, os procedimentos essenciais para implementar as metodologias ativas.

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